Na Idade Média Tomás de Aquino[i], um dos grandes pensadores da humanidade, debateu e condenou o aborto.  Inicialmente afirma-se que Tomás de Aquino não escreveu um livro ou tratado sobre a problemática do aborto. Acima de tudo Tomás é um pensador preocupado com as questões metafísicas e éticas que envolvem o ser humano. Por isso, grande parte de sua obra versa sobre esses temas. No entanto, ele deixou, ao longo de sua vasta obra, referências diretas e explícitas sobre o aborto.

No entanto, Tomás de Aquino distingue o aborto em duas categorias, sendo elas: o aborto natural e o aborto voluntário. No aborto natural o próprio organismo humano, por motivos diversos e expressamente médicos, expulsa, antes do tempo, o feto e, com isso, promove a morte do mesmo. Já o aborto voluntário[ii] é quando o indivíduo procura, de forma artificial e propositadamente, expulsar o feto de dentro do ventre materno, antes do momento apropriado para o nascimento e, com isso, provocar a morte do mesmo. Na perspectiva do Aquinate, o aborto voluntário trata-se de uma forma de assassinato e de um tipo de esterilização parcial, pois apesar do indivíduo continuar, na maioria dos casos, podendo engravidar e ter outros filhos, a gravidez interrompida artificialmente não gera nenhum filho.

Sem contar que Tomás de Aquino condena o uso do veneno da esterilidade, ou seja, dos anticoncepcionais que ou impedem a gravidez ou então, quando esta já está em pleno processo de desenvolvimento, impedem o desenvolvimento do feto e, com isso, provocam a realização de um aborto voluntário. Para ele[iii] quem procura tais métodos anti-natalidade, que atuam contra a natureza, mesmo sendo legalmente casados não podem receber o nome de cônjuges, pois não buscam conscientemente a realização plena do casamento, a qual se dá com a concepção e o nascimento dos filhos. Uma família só está totalmente formada quanto existe os cônjuges e os filhos. Impedir, por meio do aborto ou outro método anti-natalidade, o nascimento dos filhos é impedir o desenvolvimento natural da própria família.

No caso explicito do aborto, Tomás de Aquino afirma que de “nenhum modo é lícito matar ao inocente [o feto ainda no ventre da mãe]”[iv]. Além disso, ele afirma que o que “fere a mulher grávida faz algo ilícito, e, por esta razão, se disso resulta a morte da mulher ou do feto animado, não se desculpa do crime de homicídio, sobretudo, quando a morte segue certamente a esta ação violenta”[v].

Para ele a prática abortiva trata-se, pois, de um pecado gravíssimo, porque não mata somente o corpo, mas também a alma. É uma prática que se enquadra dentro do mandamento bíblico que determina: “Não Matarás” (Êxoto 20, 13; 23, 7; Deuteronômio 5, 17). Em suas palavras: “alguns matam somente o corpo, mas outros matam a alma, tolhendo-a a vida da graça, ou seja, arrastando-a ao pecado mortal; outros, porém, matam a ambos, o corpo e a alma: são os suicidas e aqueles que matam as crianças que ainda não nasceram [por meio da prática do aborto]”[vi]. Em Tomás de Aquino o aborto é uma das possibilidades de manifestação do homicídio qualificado, ou seja, é quando há um assassinato, neste caso do feto, com a clara intenção de cometer um crime.

Em grupos e ambientes que defendem o aborto e dentro de setores que, dentro da Igreja, se alto proclamam de progressistas, modernos e vanguarda teológica; é comum se encontrar um tipo de argumentação que afirma, dentre outras coisas, que Tomás de Aquino vê o aborto apenas como um ato antiético, mas que não chega a condenar a sua prática. Essa afirmação é uma tentativa de se buscar algum fundamento, mesmo que indireto, para se defender o aborto. O problema é que esse tipo de fundamentação é superficial e, em grande medida, falta de uma leitura mais atenta e analítica da obra do Aquinate. Se a obra de Tomás de Aquino for lida com atenção se verá que ele coloca dentro do mandamento do “Não Matarás” o aborto. Para ele o aborto é um assassinato de uma pessoa e, por isso, deve ser evitado de todas as formas.

Sobre a perspectiva do aborto na Idade Média a Declaração sobre o aborto provocado, da Congregação para a Doutrina da Fé, afirma: “É certo que, na altura da Idade Média em que era opinião geral não estar a alma espiritual presente no corpo senão passadas as primeiras semanas, se fazia uma distinção quanto à espécie do pecado e à gravidade das sanções penais. Excelentes autores houve que admitiram, para esse primeiro período, soluções casuísticas mais suaves do que aquelas que eles davam para o concernente aos períodos seguintes da gravidez. Mas, jamais se negou, mesmo então, que o aborto provocado, mesmo nos primeiros dias da concepção fosse objetivamente falta grave. Uma tal condenação foi de fato unânime”[vii].

[i] Sobre a reflexão de Tomás de Aquino sobre o aborto, recomenda-se consultar: SANTOS, Ivanaldo. Tomás de Aquino e o aborto. In: Teologia em Questão, v. X, p. 43-62, 2012; FAITANIN, Paulo. Acepção teológica de pessoa em Tomás de Aquino. In: Aquinate, Niterói, Rio de Janeiro, v. 3, p. 47-58, 2006.

[ii] AQUINO, Tomás. In IV Sent., d. 31, q.2, a.3, exp.

[iii] AQUINO, Tomas. In IV Sent., d. 31, q.2, a.3, exp.

[iv] AQUINO, Tomas. S. Theo., II-II, q. 64, a.6, e.

[v] AQUINO, Tomás. S. Theo., II-II, q. 64, a.8, ad2.

[vi] AQUINO, Tomás. In decem pracetis, a.7.

[vii] CONGREGAÇÃO PARA A DOUTIRNA DA FÉ. Declaração sobre o aborto provocado. Cidade do Vaticano, 18 de novembro de 1974, n. 7.  

Fonte – www.zenit.org