Fausta Speranza, Silvonei José – Vatican News
Estima-se que cerca de 40 milhões de pessoas são vítimas no mundo do tráfico de seres humanos. De acordo com o relatório do Escritório das Nações Unidas contra a droga e o crime (UNODC) sobre o tráfico de seres humanos, quase um terço são menores de idade. Além disso, 71% do total são mulheres e meninas. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) denuncia que 21 milhões de pessoas são vítimas de trabalho forçado, muitas vezes também ligado à exploração sexual. Depois há o dramático fenômeno do tráfico de órgãos, que escapa às estimativas, mas que continua sendo um fato inegável. Conversamos com o cardeal Michael Czerny, subsecretário da Seção migrantes e refugiados do Dicastério para o Serviço de Desenvolvimento Humano Integral, sobre a natureza dramática e a abrangência do fenômeno, que afeta todos os países, de origem, de trânsito ou destino das vítimas:
R. – A maior resposta de toda a Igreja se encontra no compromisso das irmãs da rede Thalita Khum. E assim, para a Seção refugiados e migrantes do Dicastério, a primeira prioridade é acompanhar a rede, colaborar, apoiar, sugerir, facilitar… Fazemos o que podemos porque em tantos países do mundo as irmãs estão realmente respondendo em nome da Igreja e em nome de Cristo. É muito importante reconhecer este trabalho, porque elas não falam, mas agem. Então, nós podemos falar um pouco sobre isso.
Sem dúvida, a pandemia tem sido um fator de complicação em todo esse esforço…
R. – Claro. Complicou o compromisso das irmãs, mas graças a Deus, com a ajuda do Espírito Santo, elas sempre encontraram os meios para continuar a exercer o ministério. Elas não se resignaram a três meses ou seis meses de lockdown. Não: elas mudaram os meios ou métodos e continuaram. A grande tristeza é que nestes meses de pandemia houve um terrível aumento do tráfico e isto nos deve escandalizar. Enquanto todos nós – “os bons” – estamos trancados em casa, como é que a demanda está aumentando e não diminuindo? Isto indica que as raízes do problema estão nas casas, nos corações das pessoas, dos cidadãos, dos irmãos e irmãs ao nosso redor. Esta conexão entre o tráfico e a vida aparentemente normal de pessoas aparentemente normais é um grande escândalo que deve nos fazer refletir, pedir perdão a Deus, para buscar a conversão necessária para reduzir e eliminar a demanda que é o motor do tráfico.
Digamos que as duas frentes são o trabalho forçado e a exploração sexual, portanto, mulheres e crianças em ambos os casos estão em primeira linha, também junto com muitos homens, é claro…
R. – É isso mesmo. Você mencionou a prostituição, que agora inclui, em particular, toda exploração on-line e o trabalho forçado; inclui também o tráfico de órgãos, um crime para o qual não há palavras, e outros aspectos, como o uso de pessoas para transportar drogas … Tudo isso são compromissos ou “empresas” do tráfico.
Eminência, desde 2013 recordamos o Dia Internacional contra o Tráfico de Seres Humanos desejado pela ONU. Em 2015, houve um compromisso assinado pelos governos do mundo inteiro para combater o que muitas vezes é chamado de fenômeno, mas – lembramos – é um verdadeiro crime. O que tem sido feito nos últimos anos e o que realmente não está sendo enfrentado?
R. – Esta é uma boa pergunta, algo para ser mais aprofundado. Diria que no final, a soma dos esforços pode ser menos importante que os esforços individuais específicos, porque são pessoas, homens, mulheres e crianças, vítimas do tráfico, que são exploradas e abusadas. Neste sentido, quero dizer que o que é interessante é o aumento da conscientização, eu diria no mundo inteiro; este é o aspecto mais importante para nós. E nos últimos anos temos visto o desenvolvimento da conscientização. Vemos também o desenvolvimento de muitos novos ministérios da Igreja para enfrentar este flagelo: da prevenção, ao resgate, à reabilitação, à integração das pessoas. É importante que todos, em todos os níveis, estejam cientes do que nós mesmos dizemos, apoiamos e provocamos com nossas escolhas. Nosso compromisso não deve ser o de contar os números, mas o de perceber que são as escolhas que faço que apoiam e contribuem de alguma forma para o tráfico. E não estou dizendo de olhar somente para os outros ou para os bandidos, mas para as escolhas de cada um. Eu, que escolhas faço, por exemplo quando compro um celular? Quando eu faço uma viagem? Quando me permito o prazer? E eu não entro em detalhes.
Eminência, para o cristão é dado por certo ou deve ser dado por certo que o homem é feito à imagem e semelhança de Deus, portanto, o respeito pela pessoa. Em uma sociedade que se vangloria da proliferação, da reivindicação de tantos direitos, isso já não é mais um dado adquirido, compartilhável…
R. – Sim, talvez. Eu acho que cada direito tem algo de verdadeiro. Talvez nem todos os direitos tenham o mesmo nível ou valor, mas geralmente eles não são ruins como tais. O ponto é a cultura do descarte, uma cultura do prazer instantâneo ou necessário, obrigatório. Precisamos refletir sobre algumas “necessidades”, quando ouvimos “preciso deste prazer, deste produto, preciso deste preço baixo” … Penso que estas compulsões estão mais no centro do problema do tráfico do que a proliferação de direitos ou os chamados direitos.